Blog do Dina - O que são 'fictosexuais' e por que casamento com personagens de anime cresce no Japão


O que são 'fictosexuais' e por que casamento com personagens de anime cresce no Japão

6 de maio de 2022 às 11:28

Em quase todos os sentidos, Akihiko Kondo é um japonês comum. Ele é agradável e fácil de conversar. Tem amigos, um emprego fixo e usa terno e gravata para trabalhar. Há apenas uma exceção: o Sr. Kondo é casado com um personagem fictício.

Sua amada, Hatsune Miku, é uma cantora pop de cabelo azul turquesa, sintetizada por computador, que já excursionou com Lady Gaga e estrelou videogames.

Depois de um relacionamento de uma década, que Kondo diz que o tirou de uma depressão profunda, ele realizou uma pequena cerimônia de casamento não oficial em Tóquio, em 2018. Miku, na forma de uma boneca de pelúcia, usava branco e ele usava um smoking combinando.

Em Miku, Kondo encontrou amor, inspiração e consolo, diz ele. O homem de 38 anos e sua variedade de bonecas Miku comem, dormem e assistem a filmes juntos. Às vezes, eles se aventuram em escapadelas românticas, postando fotos no Instagram.

Kondo sabe que as pessoas acham isso estranho, até mesmo prejudicial. Ele sabe que alguns — possivelmente aqueles que estão lendo este artigo — esperam que supere isso. E, sim, ele sabe que Miku não é real. Mas seus sentimentos por ela são, ressalta.

— Quando estamos juntos, ela me faz sorrir. Nesse sentido, ela é real — disse em uma entrevista recente.

Empresas viabilizam sonho

Kondo é uma das milhares de pessoas no Japão que se casaram informalmente com personagens fictícios nas últimas décadas, tendo à disposição uma vasta indústria destinada a satisfazer todos os caprichos de uma fervorosa cultura de fãs.

Dezenas de milhares de pessoas ao redor do mundo se juntam a grupos on-line onde discutem seu compromisso com personagens de anime, mangá e videogames.

Para alguns, os relacionamentos são apenas para rir. Kondo, no entanto, sabe há muito tempo que não queria um parceiro humano. Em parte, porque ele rejeitou as rígidas expectativas da vida familiar japonesa. Mas, principalmente, porque sempre sentiu uma atração intensa — e, mesmo para si próprio, inexplicável — por personagens fictícios.

Kondo se vê como parte de um movimento crescente de pessoas que se identificam como “fictossexuais”. Isso é em parte o que o motivou a divulgar seu casamento e a dar entrevistas embaraçosas para a mídia ao redor do mundo.

Ele quer que o mundo saiba que pessoas como ele estão por aí e, com os avanços em inteligência artificial e robótica permitindo interações mais profundas com o inanimado, que esse contingente provavelmente aumentará.

Não é um movimento político, disse ele, mas um apelo para ser visto: “Trata-se de respeitar o estilo de vida de outras pessoas”.

Personagens fictícios, negócios verdadeiros

Não é incomum que uma obra de arte provoque emoções reais — raiva, tristeza, alegria — e o fenômeno de desejar o ficcional não é exclusivo do Japão.

Mas a ideia de que personagens fictícios podem inspirar afeição real ou mesmo amor pode muito bem ter alcançado sua expressão mais alta no Japão moderno, onde o sentimento deu origem a uma subcultura altamente visível e se tornou a base de uma indústria próspera.

A palavra japonesa para os sentimentos que esses personagens inspiram é “moe”, um termo que se tornou uma abreviação para praticamente qualquer coisa que seja visceralmente adorável.

Seminários de negócios falaram sobre como explorar o mercado de ''moe'', e o governo promoveu a noção – em relação aos desenhos animados – como uma importante exportação cultural.

A palavra e outros termos especializados ressoaram além do Japão, com fictossexuais no exterior muitas vezes adotando-os para articular sua própria experiência de amor.

O GLOBO

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