Blog do Dina - Grupos de família no WhatsApp criam regras para barrar briga por política, mas falham


Grupos de família no WhatsApp criam regras para barrar briga por política, mas falham

27 de outubro de 2022 às 15:32

A regra é clara: quem falar de política no grupo da família será excluído por um período. Agora, se a diretriz é respeitada, é outra história. No caso da família do fotógrafo Almir Vargas, 29, a paz no grupo "Vovós Sem Política" não durou nem um dia. 

Por lá, bastou uma integrante mandar a música "Deus Me Proteja", de Chico César, para a atitude ser interpretada como provocação por alguns dos participantes.

Desde então, alguns outros familiares preferiram sair do grupo e o clima ficou estranho, apesar de não ter rolado mais nenhuma discussão. A integrante que enviou a música não está mais na conversa e Vargas diz que evita se expressar por ali. 

"A maioria da minha família apoia o [Jair] Bolsonaro (PL). Só eu e mais umas cinco pessoas não. É muito ruim ler certas coisas no grupo e ficar calado."

Para Pablo Castanho, professor do Ipusp (Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo), brigas de WhatsApp, geralmente, têm repetido o que ele chama de "lógica de slogan e campanha", que apresenta as mesmas afirmações com exaustão.

"A linguagem de slogan é uma estratégia de briga política que não favorece o pensamento nem as relações humanas", diz Castanho. Ele analisa que se as pessoas pensassem e refletissem fora desta lógica, a chance de sentir conectado mesmo em meio a diferenças seria maior.

Apesar de considerar que a política é parte da vida e é importante falar e pensar sobre ela, grupos de WhatsApp são ambientes inóspitos para pensar essas questões. Castanho considera que, nas redes sociais, é mais comum que o debate seja substituído por uma espécie de pregação.

"Temos que entender que não vamos chamar ninguém para a reflexão em um grupo de WhatsApp ou com um post. Não há espaço para isso, as mensagens são curtas, é tudo muito rápido e não há uma derivação de reflexões e associações", diz ele.

O professor ainda levanta outra caraterística da sociedade brasileira, que apesar de ser reconhecida pela cordialidade costuma ter dificuldade de manter o respeito no conflito da relação. Ele defende que as relações podem ser mantidas mesmo diante das diferenças, mas admite que é difícil mudar a forma de agir da maioria das pessoas na iminência da votação do segundo turno.

Porém, acredita que se essas reflexões fossem aplicadas, poderiam ajudar a tomada de decisões, como, "vou entrar nessa briga política que vai favorecer meu candidato só porque o jogo é esse?"

Esse tipo de reflexão faltou no grupo do WhatsApp do condomínio em que mora o professor de francês Rodrigo Torres, 30. Ele, que vive no mesmo local há 12 anos, nesta semana presenciou a primeira briga entre condôminos na conversa virtual.

Isso porque uma moradora mandou um link de uma reportagem que dizia que o ministro da Economia, Paulo Guedes, pretende desindexar a aposentadoria da inflação. O plano foi revelado pela Folha e gerou crise na pasta.

Logo após a postagem, apoiadores do presidente que vivem no condomínio de Torres afirmaram que se tratava de fake news e uma discussão tomou forma. No dia seguinte à reportagem, o ministro disse que o governo Bolsonaro não vai mudar "durante o jogo" a regra de correção do salário mínimo e de aposentadorias.

Torres conta que na briga dos vizinhos "até ideologia de gênero apareceu". Isso porque, logo após vizinhos contestarem a mulher que encaminhou a reportagem, ela desejou um "bom dia a todes", usando uma linguagem neutra, e a discussão se intensificou.

"Sempre tem os pacificadores que mandam ‘não é legal continuar nessa briga’", brinca o professor, que afirma que prefere se abster nessas discussões, assim como faz com sua família. "Sou eleitor do Lula (PT) e minha família é toda bolsonarista. Então, prefiro manter a distância."

Para ele, mesmo depois das eleições do próximo domingo (30), o clima de polarização não deve arrefecer. "É o que está acontecendo no país todo. A polarização que está tomando conta de tudo", lamenta ele.

Engenheiro civil e fundador do grupo Aliança Brasil, Giovani Falcone, 44, é eleitor de Bolsonaro e conta que já teve alguns problemas por política. Em uma dessas ocasiões, ele encaminhou um post a favor do presidente em um grupo de WhatsApp de mães e foi avisado de que ali não era espaço para discutir sobre eleições. Preferiu sair, mas logo foi reinserido.

Na família, o irmão dele vota em Lula e pede para ele não mandar esse tipo de conteúdo. "Eu mando emoji de risada, não fico chateado não. Eu sei que estou apoiando uma coisa que é melhor para todo mundo, não só para uma pessoa", diz ele, que garante que só manda conteúdos com referência.

Falcone afirma que quando o contrário acontece, ou seja, eleitores de Lula postam em grupos conteúdos a favor do candidato do PT ou contra Bolsonaro, ele tenta conversar. "Muitos querem ficar debatendo, tento explicar, mas depois de duas ou três vezes, já me canso e deixo falando sozinho. Não dá. Tentar explicar algo para um petista é difícil."

Apesar do clima de desrespeito, há alguns grupos que dão certo. A família da professora de inglês Camila Philipiak, 20, é dividida entre bolsonaristas e petistas e, desde o início das campanhas, começou a se alfinetar.

As mensagens que antes se resumiam a memes de "bom dia", fotos e conversas paralelas passaram a se concentrar em críticas aos candidatos. A situação piorou quando as alfinetadas ultrapassaram o espectro político e foram para o pessoal, incitando mais brigas por motivos aleatórios.

Assim, foi criado um outro grupo para manter a cordialidade. "Não pode política, nem religião, nem discussão", avisou uma das familiares de Camila. "Aqui, somente alegria."

O grupo tem funcionado para que a família mantenha contato com aqueles que vivem longe. Até agora, os participantes respeitam as regras. Mas a professora de inglês suspeita que o grupo só é bem-sucedido porque aqueles que costumam iniciar as discussões não foram adicionados nele.

"Agora, quem quer falar sobre política manda em um grupo e quem quer mandar a foto de ‘bom dia’ manda nesse novo", diz ela.

Folha de S. Paulo