Blog do Dina - O caso Yago Matteus: como a morte de um estudante de medicina da UFRN foi potencializada por 'cogumelo mágico', e os caminhos tomados pela investigação


O caso Yago Matteus: como a morte de um estudante de medicina da UFRN foi potencializada por 'cogumelo mágico', e os caminhos tomados pela investigação

20 de maio de 2023 às 14:48

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Pouco antes do amanhecer de 12 de março de 2022, o Centro Integrado de Operações de Segurança recebeu através do 190 uma chamada. 

Eram 4h27, quando o atendente começou a ouvir um pedido de ajuda. Do outro lado da linha, a voz de um homem jovem narrava por que ligara para a polícia.

- É… eu tô aqui no condomínio residencial Sirius, aqui na Abel Cabral - começou ele vacilante. - Eu e meus amigos fizemos uso de um cogumelo e um deles acabou se machucando, teria como vocês vim aqui socorrer ele por favor?

O atendente não sabia ainda o alcance do que estava acontecendo num dos apartamento do 8 andar do Bloco C do Residencial Sirius. O ferimento reportado não era um machucado comum. O jovem ainda não explicara, mas o ferimento no amigo para o qual pedira ajuda se tratava de um corte à faca, que atingiu parte do pescoço e do peito.
 
Aquela chamada era, na verdade, o desfecho do que começara com riso e terminara em agonia. 

Horas antes, quando os amigos Yago Matteus Fernandes, Pedro Confessor e André Vinícius Amaral decidiram se reunir para confraternizar com algumas cervejas, maconha e cogumelo alucinógeno, eles não tinham ideia de que as coisas avançariam para uma tragédia.

- Você vai ligar para o SAMU - orientou o atendente. 

Não foi preciso chamar o SAMU, no entanto, porque o que aconteceu na sequência naquele diálogo expôs a gravidade das coisas. 

Ouve-se um som ao fundo e, então, a voz do jovem volta em tom de alarme.

- Meu amigo acabou de se suicidar!
- Alô? Onde? - Questionou o atendente do Ciosp.
- Eu to no condomínio residencial Sirius e meu amigo acabou de pular.
- Peraí. Residencial o quê?
- Sirius! É na Abel Cabral, em frente ao Mc Donalds. Residencial Sirius.
- Como é teu nome?
- Eu tenho um amigo que está cortado e o outro que acabou de suicidar.
- Como é teu nome?
- Meu nome é Pedro.

Pouco mais de um ano após a chamada telefônica pela qual começou o caso do estudante Yago Mattheus Fernandes Santa Rita, 20, a Polícia Civil deve entregar ao Ministério Público do Rio Grande do Norte um relatório com as conclusões da investigação.

No momento em que agentes da Delegacia de Plantão da Zona Sul atenderam a ocorrência que resultou na morte de Yago, eles acionaram a Divisão de Homicídios porque um crime poderia ter sido cometido. Três hipóteses foram levantadas na investigação: suicídio, suicídio assistido e, por fim, homicídio.

Uma das hipóteses, a de homicídio, foi reforçada pela família do estudante com a contratação de um perito particular. Após as dúvidas levantadas pela família, o Ministério Público pediu para o caso voltar para a polícia. A conclusão na Polícia Civil não se modificou. Para ela, o caso está elucidado e não houve homicídio, segundo o relatório final do delegado Emerson Guimarães Valente, da 11ª DHPP.

Após reconstituição dos eventos de março de 2022, vários depoimentos de vítimas, amigos, testemunhas, laudos periciais cumprimentos de buscas, extração e análise de dados de aparelhos celulares, a conclusão é inequívoca para os investigadores: influenciado pela substância que ingeriu, Yago perdeu o controle sobre si, sucumbiu à paranóia das alucinações e saltou do 8º andar, esfaqueando antes um dos dois amigos que estava com ele.

Agora, caberá ao promotor Marcos Adair, da 12ª Promotoria de Parnamirim, definir o que será feito do caso. Se acolher a conclusão da Polícia Civil, arquivará o caso sem o oferecimento de denúncia. Sem eventos que mudem o destino da investigação, isso é o que tende a acontecer. Em cenário contrário, com evidências que sustentem que não houve suicídio, o caso pode terminar no Tribunal do Júri.

Tragédia ocorreu no condomínio Sirius
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Droga tida como recreativa foi decisiva para a tragédia

Para esta reportagem, consultei continuamente depoimentos e laudos. Entre os vários pontos de convergência há este: Yago era um garoto exemplar, sem histórico com drogas, tampouco tinha perfil depressivo.

Como explicar, então, que alguém com essas características tenha sido arrastado para um enredo que terminou na própria morte?

Depoimentos e conversas extraídas dos aparelhos alvos de busca e apreensão indicam que Yago vinha manifestando interesse em experimentar o cogumelo. Na noite anterior à tragédia, ele avançou na decisão ao pedir a substância a um amigo que sabia que tinha, André Vinícius. 

Foi ele quem levou os cogumelos para o apartamento de Yago e terminou esfaqueado. Aos dois, se juntou o estudante de direito Pedro Confessor, autor da chamada telefônica que abre esta reportagem. Os três eram amigos há pelo menos 10 anos desde os tempos do Colégio CEI.

O laudo toxicológico identificou a substância psilocina no organismo de Yago. Ela é o princípio ativo dos chamados cogumelos mágicos, droga romantizada como recreativa especialmente pelos jovens. Cogumelos mágicos se popularizaram largamente e viraram uma epidemia, em parte por causa, inclusive, do limbo legal.

No Brasil, as substâncias sujeitas a controles especiais são reguladas pela Portaria 344 de 1998 e divididas em categorias e listas. E, apesar dos cogumelos não estarem na lista, a psilocina e a psilocibina constam na chamada lista F2 de substâncias psicotrópicas, cujo uso está proibido no Brasil.

Isso significa que, a rigor, a venda e compra dos cogumelos não é proibida, mas a comercialização direta das substâncias extraídas dos fungos sim.

A facilidade com que se encontra acesso aos cogumelos, aliás, é um ponto para se chamar atenção. Uma busca rápida nas redes sociais e plataformas de busca revelou muito facilmente como é possível comprar. Os fornecedores prometem variados tipos e entrega expressa. Tudo a um clique da juventude hiperconectada e cada vez mais suscetível a estímulos de prazer artificialmente produzidos.

Sensações de prazer artificialmente produzidas cobram um preço, no entanto. O de Yago começou a ser definido no momento em que as sensações de ‘barato’ e ‘viagem’ foram cedendo espaço para paranoia, medo, pânico, disforia e alucinações, a chamada bad trip.

Os sinais de que algo estava errado já estavam dados desde que o estudante decidiu experimentar a droga. Ao longo da madruguda de 12 de março, porém, os sitomas de paranoia, medo e alucinações eram crescentes, conforme a investigação demonstrou, levando a situação a ficar cada vez mais preocupante.

Um registro desse ponto crítico se deu às 4h12, 15 minutos antes da chamada de Pedro para a polícia, quando, pelo circuito de câmeras, um dos porteiros do Sirius viu dois jovens entrarem sem camisa no elevador do 8º andar da torre C.

Eram André e Yago, que decidira ir para a casa da namorada, em meio à crise de delírio, levando o amigo a buscá-lo no elevador. Foi a partir desse ponto que os eventos avançaram para a tragédia.

Perícia privada sugeriu homicídio, mas polícia descarta

Ainda no dia em que Yago morreu e o caso era tido como uma fatalidade que levou ao suicídio, o tio do rapaz, Veder Medeiros, desconfirou que o sobrinho poderia não ter se atirado e começou a juntar elementos que apareceram mais tarde em uma perícia privada defendendo que houve homicídio.

Embora os pontos levantados pela perícia tenham acontecido, de fato, as investigações concluíram que eles se deram em um contexto, enquanto o perito privado os viu por outro prisma. Por exemplo, é fato que Yago e André estiveram pouco depois das 4h no elevador e que André levou o estudante de voltar para o apartamento. 

Na investigação, isso foi tratado como André evitando que Yago saísse de madrugada alucinado sob o efeito do cogumelo. Na perícia privada isso é tratado como uma tentativa de Yago fugir e ter sido impedido.

Um dos pontos mais defendidos da investigação privada é que o corpo de Yago não poderia ter sido encontrado onde foi, se ele de fato tivesse se jogado, sugerindo ainda que houve manipulação da cena original. Além disso, questiona-se por que não houve fratura no crânio.

Segundo o laudo produzido pelo ITEP, aconteceu o seguinte:”Analisando as conclusões acima, como a velocidade horizontal de lançamento calculada no Laudo de Local de Crime foi de 3,34 m/s, ou seja, superior a 2 m/s, e a vítima (YAGO) apresentava uma habilidade atlética média, suporta-se que a hipótese mais provável é que este tenha realizado uma propulsão voluntária, no momento do pulo”.

Outro lado

Ao longo da apuração, tentei contatar André Vinícius e Pedro Confessor para comentarem o desfecho da investigação na polícia, mas não consegui. 

O espaço está aberto para manifestação.
 

Comentários [2]


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Roza Maria

Que reportagem!!!! DEZ.

Roza Maria

Que reportagem!!!! DEZ.